Pedofilia: tolerância zero (por ANSELMO BORGES)



O que tem acontecido na Igreja Católica quanto à pedofilia é inquietante, inadmissível. É verdade que a maioria dos abusos se dá na família no sentido alargado. Mesmo assim, o número de casos entre o clero "não tranquiliza de modo nenhum" o Papa Francisco, que disse na entrevista ao La Repubblica do passado Domingo que a pedofilia na Igreja se situa nos 2%: "É gravíssimo. Dois por cento de pedófilos são sacerdotes, incluindo bispos e cardeais", e ele compromete-se a agir "com severidade" contra esta "lepra". Tanto mais grave quanto está em causa a confiança que a sociedade, as famílias e as próprias crianças punham na Igreja e nos padres. Foi precisamente essa confiança que foi brutalmente atraiçoada. A Igreja já teve de pagar centenas e centenas de milhões de euros em indemnizações, não sendo de modo nenhum de supor ter sido essa a finalidade das doações dos fiéis. Sobretudo, são as feridas incuráveis que ficaram e que até, por vezes, levaram ao suicídio. E instalou-se a suspeita, porque os responsáveis da Igreja não agiram de modo adequado e a tempo, encobriram e só terão começado a tomar medidas sob a pressão da opinião pública mundial.

Sobretudo por causa da pedofilia e dos escândalos no seu banco, o Vaticano tinha-se tornado um lugar pouco recomendável e mal frequentado. Seguindo o antecessor, Bento XVI, que declarou tolerância zero para a pedofilia - desde então, o Vaticano afastou centenas de padres e alguns bispos -, Francisco está totalmente empenhado em mudar a situação.

No que à pedofilia se refere, não são possíveis palavras mais contundentes do que as utilizadas na semana passada, quando do encontro histórico no Vaticano com seis vítimas, hoje pessoas adultas, três homens e três mulheres, do Reino Unido, Alemanha e Irlanda, em representação de todas as outras. O papa emérito também já tinha recebido vítimas, mas, agora, foi no Vaticano. E houve mais duas novidades: Francisco agradeceu às vítimas "a valentia de exporem a verdade", porque "trouxe luz sobre uma terrível escuridão na vida da Igreja", e, por outro lado, pediu perdão pela "cumplicidade" da Igreja, isto é, pelo "pecado de omissão" cometido por alguns responsáveis da Igreja: "Exprimo a minha dor pelos pecados e crimes graves de abusos sexuais cometidos pelo clero contra vós e humildemente peço perdão", também "pelos pecados de omissão por parte de líderes da Igreja que não responderam adequadamente às denúncias de abuso apresentadas por famílias e por aqueles que foram vítimas do abuso." Essa atitude, que "não tem explicação", trouxe um "sofrimento adicional" a quem tinha sofrido abuso e "pôs em perigo outros menores que estavam em situação de risco".

Francisco mostrou-se implacável: "Não há lugar no ministério da Igreja para aqueles que cometem estes abusos", comprometendo-se "a não tolerar o dano infligido a um menor por parte de ninguém, independentemente do seu estado clerical". "Todos os bispos devem exercer os seus deveres de pastores com sumo cuidado para salvaguardar a protecção de menores e darão contas por esta responsabilidade", sublinhando que deverão continuar "vigilantes na preparação para o sacerdócio".

A Igreja "quer chorar" perante "os actos execráveis de abuso perpetrados contra menores", que "deixaram cicatrizes para toda a vida" e que comparou a "culto sacrílego" e "missas satânicas". Como sinal da seriedade da nova atitude, foi criada a Pontifícia Comissão para a Protecção de Menores, presidida pelo cardeal Sean O"Malley.

Termino, com três notas. Para chamar a atenção para a necessidade de salvaguardar os direitos de defesa dos acusados. Manifestar a esperança de que outros sigam o exemplo da Igreja, como espera Francisco, na entrevista ao Corriere della Sera: "A Igreja Católica foi a única instituição pública a reagir com transparência e responsabilidade. Ninguém fez mais. E ainda assim é a única a ser atacada." Embora se não possa estabelecer uma relação de causa-efeito entre celibato e pedofilia, enquanto se mantiver o celibato obrigatório, a Igreja estará sob o fogo da suspeita.

in DN, 19.Jul.2014

Comentários

  1. ~
    ~ ~ ~ Finalmente!

    ~ ~ ~ Beijinhos. ~ ~ ~

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Francisco é um homem fenomenal, Majo.
      E corajoso.
      Coragem que também não falta ao padre Anselmo Borges para afirmar convictamente que o dogma do celibato dos padres tem que ser discutido dentro da Igreja.
      Beijinhos

      Eliminar
  2. Tb concordo que seja discutido. Mas não apenas discutido... que algo de positivo resulte desse debate.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Demorará o seu tempo, Catarina.
      A Igreja não é dada a pressas.

      Eliminar
  3. O padre Anselmo põe o dedo na ferida.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Era suposto conhecê-lo pessoalmente este ano, Agostinho.
      Não se proporcionou.
      Mas espero ter essa possibilidade.
      O meu pai conhece-o e só me diz o melhor possível da pessoa.

      Eliminar
  4. Anselmo Borges, creio já o ter escrito aqui, é uma pessoa que muito admiro desde 1976, ano em que o conheci. Sempre foi de uma grande lucidez e há muitos anos que se preocupa com este tema que, felizmente, o Papa Francisco tirou do Index das questões que a Igreja recusava discutir.
    Anselmo Borges, honra lhe seja feita, nunca fez como a avestruz.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Essa não é a postura dele, Carlos.
      Tive pena de não o conhecer pessoalmente este ano.
      Haverá outras oportunidades por certo.

      Eliminar
    2. Gostei muito deste artigo e há que levantar a cortina de uma vez por todas.

      Beijocas

      Eliminar
    3. Anselmo Borges fala das coisas como elas são, Fatyly.
      Não lhes põe paninhos quentes, enfrenta-as e procura resolvê-las.
      Tal como o Papa Francisco.
      Beijocas

      Eliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares